3 de setembro de 2013

Lembranças de uma roda de samba em homenagem a Wilson Baptista

Foi assim que se desenrolou a tarde do dia 13 de julho, um sábado ensolarado, em Belo Horizonte.
Uma linda homenagem a Wilson Baptista, celebrando seu centenário, foi realizada nesta data. Em ação, os sambistas da Roda de Samba Brasil 41, com convidados de todo o Brasil.

 
 
 

19 de julho de 2013

Centenário de Wilson Baptista, por Brasil 41

Nos idos de 1952, quando Jorge Goulart gravou o clássico samba Mundo de Zinco, parceria com Nássara, Wilson Baptista legou a todos seu anseio. O desejo era que, tal qual aconteceu com Noel Rosa, ilustre companheiro de polêmica, seu nome entrasse para o livro de ouro do samba. "Mas deixo o nome na história, o samba foi minha glória / E sei que muita cabrocha vai chorar por mim".

Dezesseis anos depois, de fato, muita cabrocha chorou por ele. Mas o seu nome, naquele momento, não entraria de imediato para história. Corria o ano de 1968, época de revoltas, de manifestações populares, de mudanças sociais profundas e - triste lembrança -  do famigerado Ato Institucional nº 5, que reduziu ainda mais as liberdades civis da população brasileira naqueles tempos sombrios de ditadura militar. Tamanha convulsão fez com que a morte de Wilson Baptista passasse batida. Morreu pobre e esquecido.

Mais de quatro décadas após seu desaparecimento, inúmeros clássicos de sua autoria seguem celebrados, como Emília (com Haroldo Lobo), Bonde de São Januário, Oh Seu Oscar (ambos com Ataulfo Alves) e Meu mundo é hoje (com José Batista), ainda que muitos ignorem que Wilson seja o autor de tais pérolas. Fato é que a genialidade do compositor é inversamente proporcional a seu reconhecimento para com as gerações que se sucederam após sua morte.

Poucos se dedicaram a estudar a vida e a obra de Wilson Baptista. Em 1985, a Funarte lançou um disco (com Joyce e Roberto Silva) e um livro (Wilson Batista e sua época, escrito por Breno Ferreira Gomes) em sua memória. Em 1996, Luís Fernando Vieira e Luís Pimentel publicaram Wilson Batista na corda bamba do samba, pela editora Relume Dumará. Quatro anos depois, Cristina Buarque gravou um Cd todo dedicado ao bamba, Ganha-se pouco, mas é divertido. Finalmente, nos últimos anos, o pesquisador Rodrigo Alzuguir dedicou ao mestre um espetáculo musical, um CD duplo (ambos batizados de O samba carioca de Wilson Baptista), um livro de partituras (Wilson Baptista - Cancioneiro Comentado, recém-lançado), além de se preparar para lançar, nos próximos meses, a mais completa biografia já realizada sobre o sambista, Wilson Baptista - O samba foi sua glória.

Com a exceção dos trabalhos desenvolvidos por Alzuguir, no entanto, o centenário de Wilson Baptista teve pouco destaque na mídia e quase nenhuma homenagem foi feita em seu nome - diferentemente do que ocorreu com Noel Rosa, Cartola, Adoniran Barbosa, Nelson Cavaquinho, Herivelto Martins e Assis Valente, nos últimos anos. Mas uma grandiosa celebração haveria de ser feita.

De Herivelto Martins a Wilson Baptista

Ano passado, sambistas de Belo Horizonte, da Roda de Samba Brasil 41, protagonizaram um dos espetáculos mais belos dedicados a um compositor brasileiro. Era o ano do centenário de Herivelto Martins e uma grande roda de samba foi formada, no acanhado bar situado na Avenida Brasil, nº 41 (daí o nome da "agremiação"). Dezenas de sambas de Herivelto, dos mais clássicos aos mais desconhecidos, foram cantados com fervor pelos jovens sambistas, tão dispostos a valorizar a cultura popular brasileira. Findada a homenagem, ficou no ar uma vontade de seguir exaltando estes nomes tão distintos de nossa música. Ali, no calor da emoção, decidiu-se: 2013 é ano de celebrar o centenário de Wilson Baptista.

A data escolhida para a celebração foi 13 de julho, um sábado. Neste dia, a capital do samba foi Belo Horizonte. Eu digo e não tenho medo de errar.

Belo Horizonte recebeu, nesta ocasião, sambistas de Uberlândia, Rio de Janeiro e São Paulo. O time estava entrosado, o Brasil 41 ensaiou o ano inteiro. Receber ritmistas, violonistas e cavaquinistas de outras paragens para sentar à roda naquele dia, sem ensaios prévios... Haveria de dar algo errado? Não, pois todos ali falavam a mesma língua. Se fosse um time, todos jogariam por música, praticando o mais legítimo futebol-arte. Bastaria o samba começar para todos saberem o que fazer. E foi assim que aconteceu.

Antes de tentar exprimir em palavras uma das rodas de samba mais emocionantes que já presenciei, cabe ressaltar a extrema dedicação destes mineiros que tomaram frente ao maravilhoso projeto de homenagear Wilson Baptista, os sambistas do Brasil 41: Daniel Capu, Vinícius Terror, Mateusão, Bernard, Arthurzinho, Ciro, Adriano, as pastoras e todos os outros integrantes desta agremiação, que tanto faz pelo samba. Aos que vieram de fora, Tuco, Alfredão, Julião Pinheiro, João Camarero, Léo Careca, Fábio Lomba, Thiago Belisário, Fernando Paiva, Galego, Carica, Fabrício, e tantos outros mais, também, um salve! Aos que não citei, mas que estiveram presentes (e ao Artur de Bem, que ajudou na pesquisa de repertório, mas não foi a BH), obrigado! E vamos ao que interessa, a inesquecível homenagem.

Pode perguntar se era assim

A harmonia dos violões e cavaquinhos falava alto. Então, entoaram-se os versos do samba Não era assim, parceria de Wilson com Haroldo Lobo, gravado inicialmente por Déo, em 1945, e regravado por Cristina Buarque, em 2000.

Não era assim que a bateria falava, não era assim
As cabrochas não sambavam assim
Você vai lá em São Carlos, Mangueira, Salgueiro, Matriz, todo morro, enfim
Pode perguntar se era assim

Não havia bateria, era tudo diferente 
As cabrochas não sambavam esse ritmo tão quente 
Pergunte ao João da Baiana, que vai responder por mim
Se era, se o samba era assim...

Quando o samba voltou para a "cabeça", entrou a bateria. Falando alto, mostrando que era assim que ela falava, nos bons tempos de João da Baiana. Pode perguntar se era assim. A emoção do momento fez com que lágrimas brotassem, discretas, dos meus olhos. Há tempos não sentia tal sensação em uma roda de samba. Um momento sublime. E era apenas o início de uma tarde magistral.

Se o samba que abriu a homenagem foi regravado por Cristina Buarque, muitos outros que se sucederam no repertório não tiveram o mesmo destino, permanecendo escondidos em velhos acetatos e em acervos particulares, sobrevivendo a traças e gerações alienadas da obra do genial sambista. E a bateria avançava - fogo! -, celebrando a Miss de Mangueira, o botequim, o carnaval. As cabrochas sambavam até a sandália furar e toda a plateia ficou maluca depois de ouvir o samba do Brasil 41.

Wilson Baptista, que se preocupou tanto em deixar um legado e partiu sem ter seu nome devidamente exaltado, certamente estaria feliz em ver tamanha celebração. Heróis são aqueles que cantaram, que sambaram por nós. E que herói foi este grande bamba!

E o Brasil inteiro vai cantar depois o samba de Wilson Baptista

O repertório era repleto de sambas "lado B", mas para aqueles sambistas que entoavam, com louvor, melodias e versos de Wilson, estava tudo na ponta da língua. Aos que não conheciam as composições garimpadas, tal qual pepitas de ouro, pelos esmerados pesquisadores, um caderninho - com todas as letras, a ordem de apresentação dos sambas e um precioso texto, escrito por Sérgio Moraleida - servia de apoio.

Ao ouvir a roda de samba cantando com gosto os sambas desconhecidos de Wilson, a impressão era que tais composições eram clássicos absolutos da música popular brasileira, já que todos cantavam em alto e bom som, em um coro afinado. Foi assim que o povo cantou os contagiantes Quando dei adeus (com Ataulfo Alves), Sempre Mangueira (com Nássara e Jorge de Castro), A voz do sangue (com Valfrido Silva), entre tantos outros.

Outras composições, resgatadas por Cristina Buarque em Ganha-se pouco, mas é divertido, também tiveram espaço: Sambei 24 horas, Cabo Laurindo, Rosalina (todas com Haroldo Lobo), Comício em Mangueira (com Germano Augusto) e Lá vem o Ipanema (com Roberto Roberti e Arlindo Marques Júnior) foram cantadas pelos presentes. Da pesquisa feita por Rodrigo Alzuguir para o disco O samba carioca de Wilson Baptista, lançado em 2011, entraram Louca alegria e Transplante de coração (último samba composto pelo mestre).

O sincopado Mania da falecida (mais uma parceria com Ataulfo Alves) e sua primeira composição, Por favor vai embora (com Osvaldo Silva e Benedito Lacerda) - um samba híbrido, um tanto rural, um tanto urbano - também foram cantados, a despeito da diferença de andamento destas duas composições para as outras destacadas na homenagem.

Cronista musical que foi, Wilson Baptista explorou, como poucos, as diversas temáticas que compunham a vida social do Rio de Janeiro da primeira metade do século passado. E neste lindo tributo dedicado a ele, um variado leque de crônicas em forma de samba fez-se presente: a mulher que abandona o marido para cair no samba, os bairros e morros (Lapa, Salgueiro, Mangueira e Favela), os personagens emblemáticos (se faltou Emília e Seu Oscar, estiveram ali Guiomar, Elza, Rosalina e Etelvina), toda esta aquarela musical esteve presente no Galpão Cultural, no bairro belo-horizontino de São Gabriel.

A nossa homenagem é sincera...

Em 1945, Aracy de Almeida gravou o samba Parabéns para você, uma parceria de Wilson Baptista com o bamba Roberto Martins. A bela composição, por anos, foi cantada em aniversários de sambistas - até ser suplantada pela composição homônima, versão brasileira de uma canção estadunidense de letra e melodia um tanto aquém a rica tradição musical brasileira.

A cada primavera, os sambistas entoavam o belo samba:

Parabéns para você
Pelo seu aniversário
Que Deus o faça feliz
Bem feliz junto aos seus
São os meus ardentes voto
Com toda sinceridade
Parabéns para você
E muita felicidade

A minha homenagem é sincera
Pois hoje você passa mais uma primavera
Aceite um forte abraço
Deste alguém que tanto lhe ama
Parabéns para você
Segue nesse telegrama

No aniversário de 100 anos de Wilson Baptista, não haveria composição mais emblemática para homenageá-lo. E foi este o derradeiro samba da celebração. Parabéns, mestre! Os sambistas agradecem e exaltam, nesta data histórica, sua genial obra. 

Wilson Baptista segue vivo e grandioso. Afinal, como diz um trecho de seu último samba: "o sambista quando é grande demais, não deve desaparecer".

Avaliação: ***** (excelente)

11 de julho de 2013

Roda de Samba Brasil 41 homenageia Wilson Baptista




Homenagem a Wilson Baptista - 100 anos (com Brasil 41)
Local: Galpão Cultural
Endereço: Rua Coronel Eugênio Thibau, 252 - São Gabriel - Belo Horizonte/MG
Data: 13 de julho (sábado)
Horário: 14h
Valor: Gratuito

10 de julho de 2013

Flores em vida. Homenagem, em tempo. Estou falando de Elton Medeiros


Eduardo Gudin teve a sensibilidade de produzir um grandioso tributo a Elton Medeiros, apresentando valorosos intérpretes, escolhendo um repertório representativo de sua obra e, principalmente, contando com a presença do sambista no palco. As flores em vida, os louros, em tempo. 

O genial compositor já não carrega a enorme vitalidade que ostentou por oito décadas de vida. Um ano e meio atrás, na última vez que havia assistido a uma apresentação de Elton, ele estava bem vigoroso, forte, cantando com desenvoltura suas composições, repletas de melodias rebuscadas e com poesias de forte apelo lírico. Hoje, prestes a completar 83 anos de vida, o icônico sambista parece padecer das agruras que a idade implacavelmente acomete até mesmo aos mais fortes e saudáveis homens. 

Debilitado, fraco e com dificuldade para cantar. Infelizmente, este era o aspecto de Elton Medeiros ao pisar no palco do Teatro do Sesc Vila Mariana, nas quatro apresentações que realizou, entre os dias 4 e 7 de julho, em São Paulo. Felizmente, Gudin não esperou que o nome do sambista virasse verbete em páginas de cancioneiros, biografias e relatos históricos e se posicionou: o sambista merecia uma homenagem à sua altura, em vida. E assim se fez este belo tributo, que emocionou a todos.

Nos dois primeiros dias de espetáculo, nos dias 4 e 5 de julho, foram convidados pelos anfitriões Eduardo Gudin e Hermínio Bello de Carvalho, o conjunto Demônios da Garoa, Paulinho da Viola, Beatriz Faria e Fabiana Cozza. Já nos dias 6 e 7, subiram ao palco Ná Ozzetti, Adriana Moreira, Carlinhos Vergueiro e Carlos Lyra. Estive presente nas duas etapas desta homenagem e deixo aqui algumas linhas com minhas impressões.

Antes de avaliar as atuações dos convidados, cabe ressaltar que os instrumentistas atuaram muito bem na apresentação (apesar do autor destas linhas não ser um grande entusiasta da presença de bateria e contrabaixo em espetáculos de samba). Estiveram presentes os seguintes músicos: Alfredo Castro (percussão), André Gomes (trombone), Da Do (saxofones, flauta e clarinete), Edu Malta (contrabaixo), Eduardo Gudin (violão), Henrique Menezes (flauta), João Poleto (flauta e saxofones), Jorginho Saavedra (bateria), Karina Ninni (vocal), Maik Moura (cavaquinho e bandolim), Maurício Santana (vocal), Maycon Mesquita (trombone) e Raphael Moreira (percussão).
O primeiro ato

O espetáculo teve início, tanto no primeiro ato quanto no segundo, com a interpretação, por Karina Ninni e Maurício Santana (cantores que integram o conjunto de Gudin, Notícias Dum Brasil), de composições de Elton em parceria com o sambista paulista, idealizador do espetáculo. "Estrela" (também com Roberto Riberti), "Mundo", "Fica esse samba comigo" (com José C. Costa Netto) e "Melhor carinho" celebraram a produção conjunta destes dois sambistas.

Os Demônios da Garoa, tão ligados ao nome do paulista Adoniran Barbosa, executaram três sambas do mestre, "Rita Maloca", "Maioria sem nenhum" e "Meu sapato já furou" (as duas últimas, parcerias com Mauro Duarte). Brilhante.

O clássico absoluto de Elton com Zé Keti, "Mascarada", não poderia ficar de fora. Com Fabiana Cozza, exímia cantora, uma das mais destacadas intérpretes de samba da contemporaneidade, o samba ficou em boas mãos. Cênica, a cantora também interpretou o belo "Sorri", também parceria com José Flores de Jesus, o Zé "Quietinho" da Portela.

Outra cantora que pisou no palco nas duas primeiras noites de celebração, Beatriz Faria, filha de Paulinho da Viola, cantou algumas parcerias da dupla Paulinho/Elton, como "Recomeçar". Na sequência, ponto alto da noite, quem ganhou os holofotes - e os longos aplausos - foi seu pai, o genial Paulo César Batista de Faria. 

Um dos principais parceiros de Elton Medeiros, Paulinho é um sambista categórico. E isso foi provado mais uma vez. Além de cantar sucessos da dupla, como "Onde a dor não tem razão" e "Pra fugir da saudade", Paulinho rendeu seu próprio tributo, ao cantar "Um cara bacana", samba que compôs em homenagem a seu parceiro, na ocasião da comemoração dos 80 anos de Elton. Paulinho é um espetáculo à parte e sua presença no palco, tão somente, já seria o suficiente para garantir a grandiosidade do evento.

Eis que entra no palco, bengala à mão - a outra, conduzida pelo poeta Hermínio Bello de Carvalho - o homenageado, Elton Medeiros. Ovação. Um momento histórico se configura no Teatro do Sesc Vila Mariana, tomado por 640 pessoas, absolutamente extasiadas com o que acontecia naquele instante. Paulinho, Elton e Hermínio, então, relembram os bons tempos do Zicartola, restaurante e casa de samba de Cartola e Dona Zica, que marcou época nos anos 60.

Há 50 anos, estavam os três, jovens, com o samba correndo nas veias, vivendo tempos áureos da música brasileira. Naquele palco, tanto tempo depois, foi hora, momento mais do que oportuno, de relembrar tais momentos, celebrando a vida e a obra do grande baluarte. Entre as lembranças, o espetáculo "Rosa de Ouro", um dos musicais mais importantes da história do samba. A composição-tema, homônima, foi composta por esse distinto trio e todos conheciam e cantaram os versos que abrem a música: "Ela tem uma rosa de ouro nos cabelos, e outras mais, tão graciosas..."

Duas das parcerias de Elton com Hermínio mais belas não ficariam de fora: "Folhas no Ar" e "Pressentimento". Esta última, como não poderia deixar de ser, levantou a plateia. Finalmente, o clássico "O sol nascerá", parceria com Cartola, fechava o primeiro ato, primoroso.

O segundo ato

No segundo ato, após a introdução feita por Maurício Santana e Karina Ninni, Adriana Moreira subiu ao palco para mostrar porque ela é uma das melhores cantoras de samba de nosso tempo. Ao cantar a belíssima "Sofreguidão", o fez com o mesmo primor que Elton e Cartola tiveram para conceber tal preciosidade. Certamente, foi um dos pontos altos da homenagem.

Cabe ressaltar a observação que Gudin fez sobre esta música. O compositor paulista frisou que, ao ouvi-la pela primeira vez, em meados dos anos 60, mudou para sempre sua maneira de compor. Para ele, a audição de "Sofreguidão" foi um marco em sua trajetória de compositor de samba.

Adriana Moreira cantaria, ainda, "A canoa virou", partido alto gravado pelo Conjunto A Voz do Morro, do qual Elton participou nos anos 60, antes de abrir espaço para Carlinhos Vergueiro. Este foi muito bem, interpretando, com muita bossa e divisão, "Meu viver" (parceria de Elton com Jair do Cavaquinho e Kleber Santos), "Injúria" (com Cartola) e sua parceria com o veterano sambista, "Relaxa". Muito bom.

Depois, foi a vez de Ná Ozzetti. Esbanjando técnica, a cantora cantou um dos mais belos sambas de Elton Medeiros (mais uma parceria com o Divino Cartola), "Peito Vazio", em uma interpretação primorosa. Ná Ozzetti cantaria, ainda, com propriedade, o samba "Um cara bacana", homenagem que Paulinho dedicou ao compositor, cantada pelo próprio Paulinho nos dois dias anteriores.

O convidado seguinte foi Carlos Lyra, que subiu ao palco para cantar "Mascarada" (com Zé Keti) e "Coração de Ouro" (Elton e Joacyr Santana). O violonista fez questão de assinar o arranjo das duas composições que interpretou, fazendo com que os sambas ganhassem, então, uma ligeira aparência de bossa nova. 

Então, chegava a hora de, novamente, Elton e Hermínio subirem ao palco, interpretando, mais uma vez, os clássicos "Rosa de Ouro", "Folhas no ar" e "Pressentimento". Desta vez, no entanto, Hermínio também cantou "Vida Madrasta", outra parceira dos dois. 

Papo vai, papo vem, Zicartola, Rosa de Ouro, e outras passagens célebres de outrora ganhavam vida nas falas saudosas de Hermínio e Elton. Este, a estrela da celebração, costumava falar muito, contar causos e fazer piadas em suas apresentações. Desta vez, preferiu escutar Hermínio, lembrando daqueles dias que o tempo levou, tal folhas sopradas no ar.

Tudo isto não poderia deixar de acabar com uma enorme ovação, das mais sinceras e efusivas que uma plateia dedicou a um compositor. "Estou falando de Elton", um gênio do nosso tempo que, felizmente, colheu flores plantadas em seu jardim, em vida.

Avaliação: **** (ótimo)
 





4 de julho de 2013

Estou falando de Elton Medeiros

Ele recebe, em vida, as flores que lhe cabem por direito. Justo, natural e necessário. Afinal, o compositor carioca é um dos  maiores nomes da música popular brasileira. Um sambista maiúsculo, parceiro de Cartola e Zé Keti, entre outros nomes de valor. Na roda de samba da história, é bamba. Estou falando de Elton Medeiros, o Elton do Aprendizes de Lucas, Elton das melodias rebuscadas, que derruba muito músico com suas convenções harmônicas sinuosas. Elton Medeiros, um ícone do samba. Um mestre vivo, da estirpe de Pixinguinha, Candeia, Noel, Ismael e Sinhô.

De 3 a 6 de julho, o Teatro do Sesc Vila Mariana promove uma homenagem singular a este grande baluarte da cultura brasileira. Com curadoria e arranjos de Eduardo Gudin, o espetáculo promove o encontro de Elton com alguns de seus parceiros mais caros, como Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho, entre outros destacados personagens do nosso cenário musical. 

Nos dois primeiros dias, Gudin e Hermínio Bello convidam Paulinho da Viola, Demônios da Garoa, Fabiana Cozza e Beatriz Faria, filha de Paulinho. Nos dias seguintes, é a vez de Carlos Lyra, Ná Ozzetti, Adriana Moreira e Carlinhos Vergueiro serem recepcionados pelos dois anfitriões.

"Estou falando de Elton Medeiros" é um espetáculo imperdível para aqueles que cultuam e valorizam os verdadeiros heróis brasileiros: os artistas populares.

Ficha técnica:

Alfredo Castro - percussão
André Gomes - trombone
Da Do - saxofones, flauta e clarinete

Edu Malta - contrabaixo
Eduardo Gudin - violão
Henrique Menezes - flauta
João Poleto - flauta e saxofones
Jorginho Saavedra - bateria
Karina Ninni - vocal
Maik Moura - cavaquinho e bandolim
Maurício Santana - vocal
Maycon Mesquita - trombone
Raphael Moreira - percussão

Estou falando de Elton Medeiros - com Eduardo Gudin, Hermínio Bello de Carvalho, Paulinho da Viola, Demônios da Garoa, Fabiana Cozza e Beatriz Faria
Local: Sesc Vila Mariana
Endereço: Rua Padre Adelino, 1000 - Belenzinho – São Paulo/SP
Datas: 3 e 4 de julho (quarta e quinta)
Horário: 21h
Valor: de 10 a 40 reais

Estou falando de Elton Medeiros - com Eduardo Gudin, Hermínio Bello de Carvalho, Carlo Lyra, Ná Ozzetti, Carlinhos Vergueiro e Adriana Moreira
Local: Sesc Vila Mariana
Endereço: Rua Padre Adelino, 1000 - Belenzinho – São Paulo/SP
Datas: 5 e 6 de julho (sexta e sábado)
Horário: 21h
Valor: de 10 a 40 reais

3 de julho de 2013

Centenário de Wilson Baptista

No dia 3 de julho de 1913, nascia um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos. Wilson Baptista foi um dos grandes, gigantes do samba. Compositor autêntico, ajudou, ao lado de Geraldo Pereira e Ciro de Souza, a desenvolver o chamado "samba de bossa", mais desprendido da limitação de métricas e rimas e ideal para a interpretação de orquestras de gafieira, muito popular nos anos 40. 

Como letrista, abordou temas sociais, até mesmo políticos e, a despeito da composição de "Emília" (lembrado por gerações a fio como um samba machista), pintou a mulher com tintas libertárias, sendo um dos primeiros sambistas a valorizar o papel feminino como protagonista da sociedade, dotada de direitos e apta a desfrutar de lazeres até então restritos ao homem, como sambar até a sandália furar e cair na orgia até cansar. 

Wilson morreu em 1968, sem ter desfrutado da revalorização de sambistas, iniciada naquela década e que culminou nos anos 70, quando antigos compositores, que por décadas amargaram o ostracismo, voltaram a ter destaque - Adoniran Barbosa, Cartola, Nelson Cavaquinho e Carlos Cachaça gravaram seus primeiros álbuns apenas nesta década, todos com mais de 60 anos de idade.

Em homenagem aos 100 anos deste grande mestre do samba, O Couro do Cabrito preparou uma seleção de sambas pouco conhecidos dele. Desfrute sem moderação!

Estás no meu caderno (Benedito Lacerda - Osvaldo Silva - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1934 na VICTOR - canta: Mario Reis

Não durmo em paz (Geraldo Augusto - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1936 na ODEON - canta: Carmen Miranda 1936

Meu último cigarro (Wilson Baptista) - Samba gravado em 1937 na COLUMBIA - canta: Déo

Não sei dar adeus (Ataulfo Alves - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1939 na ODEON - canta: Déo

Mania da falecida (Ataulfo Alves - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1939 na VICTOR - canta: Ciro Monteiro

Quando dei adeus (Ataulfo Alves - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1939 na VICTOR - canta: Odete Amaral

Carta verde (Valfrido Silva - Wilson Baptista - Armando Lima) - Samba gravado em 1940 na COLUMBIA - canta: Zila Fonseca

Brigamos outra vez (Marino Pinto - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1940 na VICTOR - canta: Aracy de Almeida

Depois da discussão (Marino Pinto - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1940 na VICTOR - canta: Odete Amaral

É mato (Alvaiade - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1941 na ODEON - canta: Odete Amaral

A voz do sangue (Valfrido Silva - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1941 na ODEON - canta: Newton Teixeira

A mulher que eu gosto (Ciro de Souza - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1941 na VICTOR - canta: Ciro Monteiro

Hildebrando (Haroldo Lobo - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1941 na VICTOR - canta: Ciro Monteiro

Essa mulher tem qualquer coisa na cabeça (Cristóvão de Alencar - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1942 na VICTOR - canta: Ciro Monteiro

O Juca do Pandeiro (Augusto Garcez - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1943 na ODEON - canta: Aracy de Almeida

Gosto mais do Salgueiro (Geraldo Augusto - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1943 na ODEON - canta: Aracy de Almeida

Como se faz uma cuíca (Haroldo Lobo - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1944 na VICTOR - canta: Anjos do inferno

Apaguei o nome dela (Haroldo Lobo - Wilson Baptista - Jorge de Castro) - Samba gravada em 1944 na CONTINENTAL - canta: Arnaldo Amaral

Benedito não é de briga (Geraldo Augusto - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1945 na ODEON - canta: Quarteto Ases e Um Coringa

Outras mulheres (Wilson Baptista - Jorge de Castro) - Samba gravado em 1945 na RCA VICTOR - canta: Carlos Galhardo

Memórias de um torcedor (Geraldo Gomes - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1946 na ODEON - canta: Aracy de Almeida

Filomena, cadê o meu? (Wilson Baptista - Antônio Almeida) - Samba gravado em 1949 na RCA VICTOR - canta: Anjos do Inferno


Olhos vermelhos (Roberto Martins - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1951 na RCA VICTOR - canta: Anjos do Inferno


29 de abril de 2013

Morte é paz

"Quando eu for, eu vou sem pena. Pena vai ter quem ficar", já cantava o poeta paulistano. E foi assim. Ficamos, nós, com pena, pesar, lamentação em sua despedida. Choramos a partida daquele que cantou, em muitos sambas, uma toada e uma capoeira, crônicas da vida, da sociedade e dos amores. Crônicas de uma cidade de São Paulo, com suas rondas, praças e voltas por cima.

Paulo Vanzolini - sambista de primeira grandeza, nome icônico da música popular brasileira, autor de clássicos imortais de nosso cancioneiro - foi sem pena, aos 89 anos, às 23h35 deste domingo, 28 de abril, vitimado por uma pneumonia, que o levou à internação na UTI do Hospital Israelita Albert Einstein, no dia 25.

Depois de ter escrito o nome em letras douradas, garrafais, na história do samba e da zoologia (era considerado um dos maiores especialistas em répteis do mundo, tendo sido diretor do Museu de Zoologia da USP, por mais de 30 anos), o mestre se foi. "Sem saber o que o dia de amanhã nos traz, sem querer relembrar o que ficou pra trás". Foi tranquilo.  "Morte é paz".

É tempo de relembrar suas canções, admirar suas melodias e versos e de aprender mais sobre o Brasil, ouvindo suas crônicas sociais emolduradas por acordes que brotaram de sua mente fértil. Composições imortais, como será a presença deste gênio no imaginário coletivo de tantos brasileiros. 

Quando eu for, eu vou sem pena (Paulo Vanzolini) - Chico Buarque (2002)
Morte é paz (Paulo Vanzolini) - Cristina Buarque (2002)

25 de abril de 2013

Um ser de luz (João Nogueira - Paulo César Pinheiro - Mauro Duarte)

GRANDES BRASAS DA HISTÓRIA

Há 30 anos, no dia 2 de abril de 1983, uma das maiores cantoras brasileiras de todos os tempos morria tragicamente. Clara Nunes, em plena forma, no auge do sucesso, nos deixava de forma dolorosa: um choque anafilático sofrido na mesa de cirurgia, quando retirava varizes das pernas, interrompeu sua trajetória iluminada. Não mais ouviríamos o canto do Sabiá, não mais sentiríamos a energia e a força da Mineira Guerreira. Uma perda irreparável.

Seu falecimento causou transtorno em todos os brasileiros. Pouco tempo depois, uma belíssima homenagem foi composta para ela. Os autores: Paulo César Pinheiro, João Nogueira e Mauro Duarte.

No livro "João Nogueira - Discobiografia", de Luiz Fernando Vianna, o autor conta como se deu a criação deste belo samba, "Um ser de luz":

"A homenagem foi no calor da hora, pouco depois da morte. Alcione leu em O Globo a expressão 'um ser de luz', cunhada pelo colunista Artut da Távola para se referir a Clara, e comentou com João. Após a missa ecumênica realizada na Portela, várias pessoas foram comer em Jacarepaguá, e Mauro Duarte mostrou um início de samba dedicado à cantora. Faltava o letrista preferido dos dois para concluir o trabalho. Mas que condições Paulo César Pinheiro, marido de Clara, teria para escrever? Ele até ficou ofendido com a sugestão. Sucumbiu, porém, diante de um argumento de João:

'Se não fizer, vão fazer uma cambada de samba ruim e você vai ter que aturar. Ninguém vai se atrever a arriscar um samba depois do teu.'

Convencido, Paulinho escreveu a letra, e a canção foi batizada de 'Um ser de luz. João ligou para Alcione:

'Faz um macarrão pra mim que eu vou te mostrar um samba.

Comeram cantando e chorando. Alcione gravou, e a música fez um enorme sucesso. João só daria a sua versão 11 anos depois."

Um ser de luz (João Nogueira - Mauro Duarte - Paulo César Pinheiro)

Um dia
Um ser de luz nasceu
Numa cidade do interior
E o menino Deus lhe abençoou
De manto branco ao se batizar
Se transformou num sabiá
Dona dos versos de um trovador
E a rainha do seu lugar

Sua voz então a se espalhar
Corria chão
Cruzava o mar
Levada pelo ar
Onde chegava espantava a dor
Com a força do seu cantar

Mas aconteceu um dia
Foi que o menino Deus chamou
E ela se foi pra cantar
Para além do luar
Onde moram as estrelas
E a gente fica a lembrar
Vendo o céu clarear
Na esperança de vê-la, sabiá

Sabiá
Que falta faz sua alegria
Sem você, meu canto agora é só
Melancolia


Um ser de luz (João Nogueira - Mauro Duarte - Paulo César Pinheiro) - Alcione (1983) Um ser de luz (João Nogueira - Mauro Duarte - Paulo César Pinheiro) - João Nogueira (1994)

17 de abril de 2013

Homenagem a Clara Nunes, no Nota de Rodapé

Hoje, no Nota de Rodapé, um texto meu - com uma belíssima ilustração do artista visual gaúcho Kelvin Koubik - sobre os 30 anos da morte de Clara Nunes. Confira!



26 de março de 2013

Luz, câmera: Germano Mathias em ação!

Em 1959, o sambista paulistano Germano Mathias ainda estava iniciando a carreira. Tinha seus tenros 25 anos de idade, mas já se destacava com sua ginga malandreada de cantar o samba sincopado, batucando na lata de graxa.

Fosse nas rodas de engraxate na Praça da Sé, em São Paulo, ou nas rodas de malandro de Madureira, no Rio de Janeiro, Germano imprimia seu estilo, que atravessou décadas e é preservado por ele até os dias atuais, a despeito de sua idade avançada (completa 79 anos em junho).

A juventude foi embora e, hoje, é só lembrança de um tempo que passou. Porém, graças a registros cinematográficos daquele longínquo ano de 1959, podemos ver o sambista em plena forma. 

Naquele ano, Germano Mathias participou de dois filmes, "O Preço da Vitória", dirigido por Osvaldo Sampaio (Ubayara Filmes), e  "Quem Roubou Meu Samba", dirigido por José Carlos Burle (Cinelândia Filmes e Cinedistri). Na primeira produção, interpreta o samba "Figurão", parceria com Doca. Já no segundo filme, canta um samba que viria a ser um de seus maiores clássicos, "Lata de graxa" (Mário Vieira e Geraldo Blota). 

Vale a pena conferir!



12 de março de 2013

Não sei dar adeus (Wilson Batista - Ataulfo Alves)

GRANDES BRASAS DA HISTÓRIA

Quando dois geniais compositores se juntam em uma parceria, o resultado só pode ser a criação de uma pérola. Wilson Batista e Ataulfo Alves, dois dos maiores nomes do samba, compuseram várias, entre elas, os clássicos absolutos do carnaval - e da música popular brasileira - Oh, Seu Oscar e O Bonde de São Januário.

Porém, é nos sambas "lado B" da dupla que fui buscar esta belíssima composição. Não sei dar adeus foi gravado pela primeira vez em 1939, por Déo, e permanceu sem receber uma regravação até 2011, quando Marcos Sacramento registrou a composição no CD-tributo O samba carioca de Wilson Baptista, um projeto de Rodrigo Alzuguir.

Uma joia rara, que merece o pedestal dado aos grandes sucessos da dupla.

Não sei dar adeus (Wilson Batista - Ataulfo Alves)


Eu não sei dar adeus a ninguém
Sem meu pranto cair
Eu não sei iludir o meu coração
Com sorriso em vão
Eu tentei me conter
Mas quando ela
Disse adeus eu chorei

Falo alto até grito: “eu chorei!”
Pois de fato eu acho até bonito
Chorar por seu bem querer
Num verso de um poeta consagrado
Eu li muito bem:
“Chorar por seu amor
Não envergonha ninguém”
Pois eu chorei
Porque muito amei

Não sei dar adeus (Wilson Batista - Ataulfo Alves) - Déo (1939)
Não sei dar adeus (Wilson Batista - Ataulfo Alves) - Marcos Sacramento (2011)



Samba dedicado a Maria Pinheiro, meu amor, que tanto gosta dos sambas do Ataulfo e, especialmente, desta composição.

26 de fevereiro de 2013

Cartola, por Carlos Namba

Em 1977, a Editora Abril lançou a série de LPs "Nova História da Música Popular Brasileira", trazendo ricos fascículos, com textos, ilustrações e fotografias de grandes nomes de nosso cancioneiro.

O projeto ampliava e revia os discos lançados sete anos antes pela série "História da MPB" e tinha como propósito destacar a vida e a obra dos principais baluartes - compositores e intérpretes - da rica produção musical desenvolvida no Brasil desde os primeiros anos do século XX.

O projeto contou com um time de primeira, que incluía nomes como Tárik de Souza (consultoria de texto) e Elifas Andreato (consultoria de arte), além de fotografias originais, produzidas com exclusividade para cada fascículo.

A edição dedicada a Cartola trouxe um belo ensaio fotográfico, registrado pelas lentes de Carlos Namba (Abril Press), que vale a pena ser reproduzido aqui:





25 de fevereiro de 2013

Onze sambas e uma capoeira, 46 anos depois


Relembrar e reverenciar um clássico, lançado há 46 anos. O palco do Sesc Belenzinho reuniu, no último fim de semana, o sambista Paulo Vanzolini, sob a companhia de Cristina Buarque, Cláudia Moreno, Ana Bernardo e Carlinhos Vergueiro, para cantar onze sambas e uma capoeira. O espetáculo, que integrou o Projeto Álbum, dedicado à revivescência de discos que marcaram época na história da Música Popular Brasileira, foi uma grande exaltação ao samba vanzolineano - criado em São Paulo, mas genuinamente brasileiro - e cumpriu bem o propósito de exaltar o LP lançado há 46 anos.

"Onze Sambas e Uma Capoeira" foi o primeiro álbum dedicado exclusivamente a Paulo Vanzolini, nome de destaque na música brasileira. Produzido pelo publicitário Marcus Pereira e pelo músico Luis Carlos Paraná, contou com arranjos de Toquinho e Portinho e registrou interpretações dos irmãos Chico e Cristina Buarque - ambos em início de carreira. Também participaram do disco Mauricy Moura, Adauto Santos e Cláudia Moreno, além do próprio Luis Carlos Paraná.

Vanzolini, que completará 89 anos em abril, estava feliz com o espetáculo-tributo, assistido pela reportagem do Couro do Cabrito no sábado, 23 de fevereiro. Sentado em uma mesa de bar, criteriosamente arranjada sobre o palco, com um copo de cerveja à sua frente, observava tudo e cantarolava as suas canções.

O espetáculo contou com arranjos de Ítalo Peron, violonista, e trouxe ao palco os músicos Pratinha (flauta), Adriano Busko (percussão), André Tinoco (trombone) e Maycon Mesquita (trompete). Peron foi feliz nos arranjos, que destacavam os instrumentos de sopro. Seu violão firme e constante, sem arroubos de solos, baixarias e bordões, por outro lado, permitia que os intérpretes pudessem explorar ao máximo suas potencialidades técnicas. Já a percussão (pandeiro, surdo, agogôs, e bateria, tudo junto) não chegou a comprometer, ainda que o autor destas linhas considere que, em um espetáculo de samba, o ideal é que cada instrumento de percussão seja tocado por um músico diferente, garantindo, assim, mais ritmo, molho e balanço.

Subiram ao palco, na ordem, Cristina Buarque, Ana Bernardo, Carlinhos Vergueiro e Cláudia Moreno. À medida que cantavam, sentavam ao lado de Vanzolini, e, em um clima de bar, serviam-se de cerveja, água e conhaque. Cristina Buarque e Ana Bernardo não dispensaram o cigarrinho no camarim. Quando foram cantar Volta por cima, todos juntos, Ana Bernardo não voltou ao palco. Vanzolini, seu marido, aproveitou para cutucar: “Está fumando...”. Mas e se ela não voltar? – perguntaram os outros convidados. “Paciência”, respondeu o sambista, quase nonagenário.

A única composição interpretada pelo homenageado da noite foi a Capoeira do Arnaldo, que, segundo o compositor, foi criada em apenas um dia, em resposta a um amigo, Arnaldo Horta, que afirmou que até Carybé - pintor ítalo-argentino, mas baiano de corpo e alma - compunha mais capoeiras que ele. Com a idade avançada, sem a mesma divisão para cantar dos tempos idos, Vanzolini cantou em um ritmo mais apressado, o que não comprometeu sua interpretação.

Carlinhos Vergueiro esbanjou categoria, cantado os sambas com grande bossa e uma divisão que o afirma como um grande intérprete no meio do samba. Cristina Buarque também estava muito à vontade (ela só participa de espetáculos que realmente gosta), bem como Ana Bernardo e Cláudia Moreno (esta, não brilhou nem tampouco comprometeu). Cabe destaque para o roadie, que além de deixar tudo nos conformes, enchia os copos (principalmente o da Cristina) de cerveja dos sambistas.

Findadas as doze canções do disco (onze sambas e uma capoeira), todas clássicas – Samba erudito, Amor de trapo e farrapo, Chorava no meio da rua, Juízo final, Ronda, Napoleão, Capoeira do Arnaldo, Praça Clóvis, Morte e paz, Leilão e Volta por cima -, houve, ainda, tempo para dois sambas que não integram o disco clássico: Tempo e espaço (interpretado por Ana Bernardo e aplaudido por Vanzolini), e Toada do Luís (por Carlinhos Vergueiro).

Gênio de nosso cancioneiro, um dos maiores sambistas de todos os tempos, compositor de samba que rompe as fronteiras do regionalismo – é mais que paulista, é um sambista brasileiro -, Vanzolini merece todas as homenagens. A ele, as flores em vida. 

Avaliação: **** (ótimo)

21 de fevereiro de 2013

Sesc Belenzinho promove espetáculo em homenagem ao clássico "Onze Sambas e Uma Capoeira"

O ano era 1966 e havia um bar, na cidade de São Paulo, que reunia jornalistas, artistas e intelectuais. Os frequentadores buscavam ouvir música popular brasileira de qualidade, algo cada vez mais difícil em tempos de iê iê iê e da invasão da música estrangeira no Brasil. O nome deste bar era Jogral, fundado por dois amigos, o músico Luis Carlos Paraná e o publicitário Marcus Pereira e, entre os boêmios que por lá faziam ronda, estava o biólogo Paulo Vanzolini.

No Jogral, formou-se um núcleo de músicos de alto valor. Marcus Pereira viu ali, então, a oportunidade de produzir um LP (a ser distribuído aos clientes de sua agência de publicidade) registrando estes nomes e exaltando, em seu primeiro lançamento, as canções do biólogo que frequentava aquele reduto boêmio. Eram onze sambas e uma capoeira de Paulo Vanzolini.

O disco, que depois entraria para a história da música popular brasileira, contava com a participação de Chico Buarque, Mauricy Moura, Cristina Buarque, Adauto Santos, Cláudia Moreno e do coprodutor e sócio de Marcus Pereira, Luis Carlos Paraná. Lançado em 1967, “Onze Sambas e Uma Capoeira” foi o embrião para a gênese, seis anos depois, do selo Marcus Pereira Discos. Em 1975, o já clássico álbum foi relançado, já que a edição original havia sido de baixa tiragem e distribuído apenas aos clientes da agência de publicidade de Marcus Pereira.

Recentemente trazido de volta às lojas pela EMI (herdeira do catálogo da Marcus Pereira Discos), o disco é de audição obrigatória àqueles que buscam conhecer melhor a obra de Paulo Vanzolini, um dos maiores sambistas de todos os tempos. 

Nos próximos dias 23 e 24, dentro do “Projeto Álbum", que visa a celebração de discos históricos da música popular brasileira, o Sesc Belenzinho promove a apresentação de Paulo Vanzolini, com a presença de Cristina Buarque, Cláudia Moreno, Carlinhos Vergueiro e Ana Bernardo.

Cristina Buarque e Cláudia Moreno participaram do álbum e, 46 anos depois, voltam a interpretar os sambas de Vanzolini. Já Ana Bernardo e Carlinhos Vergueiro apresentarão as faixas gravadas pelos já falecidos Mauricy, Paraná e Adauto. Paulo Vanzolini ainda contará histórias do disco e reunirá todos os convidados para cantar a “Capoeira do Arnaldo”.

Entre os clássicos sambas de Paulo Vanzolini registrados neste álbum - o primeiro a ser lançado com suas composições - estão “Samba erudito”, “Amor de trapo e farrapo”, “Chorava no meio da rua”, “Ronda”, “Praça Clóvis” e “Volta por cima”.

Ítalo Peron, no violão e nos arranjos; Pratinha, na flauta e no bandolim; Maycon Mesquita, no trompete; André Tinoco, no trombone e Adriano Busko, na percussão, formam o conjunto que acompanhará Paulo Vanzolini no espetáculo. 

Serviço:

Projeto Álbum: Paulo Vanzolini - Onze Sambas e Uma Capoeira
Local: Sesc Belenzinho
Endereço: 
Rua Padre Adelino, 1000 - Belenzinho – São Paulo/SP
Data: 23 e 24 de fevereiro (sábado e domingo)
Horário: 21h (sábado) e 18h (domingo)

Valor: de 8 a 36 reais

Confira Cristina Buarque cantando "Chorava no meio da rua", na gravação original, de 1967:

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